Mães e médicos evitam
partos em feriados e outras datas, ignorando a importância de esperar que o
bebê defina a hora ideal de vir ao mundo.
Vivian
Scaggiante/Cena do documentário "O Renascimento do Parto"
Se fosse
possível escapar de fazer aniversário em determinada época do ano, qual seria a
mais evitada? Os pequenos provavelmente indicariam o Natal ou o Dia das
Crianças para não passar pela frustração de ganhar apenas um presente para duas
celebrações distintas. Pois esse que poderia ser um simples exercício de
imaginação pode estar influenciando as mães a decidirem a melhor ocasião para a
chegada de seus bebês — assim como superstições ou escolha do signo da criança
—, semanas antes de eles darem os primeiros sinais de que estão prontos para
vir ao mundo.
A conclusão é
de um estudo feito na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, por Alexandre
Chiavegatto Filho, hoje pós-doutorando na Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo. Ao analisar quase 2 milhões de nascimentos na
capital paulista na última década, ele percebeu que um dos dias prediletos
seria o Internacional da Mulher, 8 de março. Já Natal e Ano-Novo são os mais
rejeitados, assim como Finados, em 2 de novembro. Essas datas renegadas
registram média de 360 partos cada uma, ante os cerca de 529 dos outros dias do
ano. O pesquisador vê duas razões por trás dessa tendência: os pais não querem
o aniversário do novo membro relacionado a uma ocasião negativa (caso do Dia
dos Mortos) e têm certa resistência a passar feriados inteiros no hospital.
A
palavra final é do bebê
A ideia de que
a conveniência interfere na decisão de agendar o final da gravidez ganha força
ao se constatar que, entre 2001 e 2010, houve queda de 10,2% no número de
mulheres que dão à luz aos domingos — dias considerados de folga. "As
cesáreas permitem essas manipulações na data", observa Alexandre
Chiavegatto. "Só que, em troca da comodidade para a família, a criança
pode nascer prematura", alerta.
Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), o trabalho de parto de baixo risco é feito
entre 37 e 42 semanas de gestação. Mas isso não quer dizer que toda criança
esteja preparada para deixar o ventre materno antes dos últimos dias desse
período mais seguro. "Cada uma evolui em um ritmo", lembra Julio
Elito Junior, professor do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal
de São Paulo. O médico explica que os pulmões, por exemplo, completam o
desenvolvimento nos últimos dias de gestação — aguardá-los é vital para evitar
desconforto respiratório. "O momento certo é decidido pelo bebê. Quando
seu corpo inteiro estiver maduro, ele dará o aviso de que está pronto para
sair", resume o obstetra.
A recomendação
da própria OMS é que a cesárea não ultrapasse 15% do total de partos.
"Afinal, essa é uma operação de grande porte, na qual são abertas sete
camadas do abdômen da mulher", pondera João Steibel, representante da
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Ele ressalta ainda que, embora não seja alta a probabilidade de infecção, se
isso ocorre, ela costuma ser mais grave quando há cirurgia do que no processo
natural. "O procedimento cirúrgico é um ótimo recurso. Mas é preciso ter
uma causa justa, como o surgimento de algum risco à saúde do bebê ou da
mãe", completa.
No Brasil, na
contramão do que preconiza a OMS, a taxa de cesáreas chega a 52% dos casos.
"A situação é ainda mais alarmante nos hospitais particulares, onde esse
índice oscila entre 80 e 90%", afirma Maria do Carmo Leal, pesquisadora da
Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz. A discrepância seria explicada
pelo fato de os especialistas da rede privada serem pagos por ato médico. Ou
seja: quanto maior o número de partos realizados, maior a remuneração.
Curiosamente,
um estudo com gestantes do estado do Rio de Janeiro, sob responsabilidade de
Maria do Carmo, mostra que, no início da gravidez, 70% das mulheres diziam
preferir ter o filho sem a necessidade de cirurgia, porém 90% acabaram se
submetendo a ela. "Medo das dores e desinformação por parte das mães
existe, mas não podemos ignorar a má qualificação de alguns profissionais de
saúde", critica a autora.
Para Alberto
Zaconeta, professor do Departamento de Obstetrícia da Universidade de Brasília
- UnB e membro da Comissão de Alto Risco da Febrasgo, há no Brasil um pensamento
equivocado de que a via de parto varia de acordo com a preferência da gestante,
quando, na verdade, a cesárea só deveria ocorrer se o parto normal não for
possível, "como uma cirurgia salvadora, protegendo o bem-estar físico da
mãe e do bebê". Ele acredita que as cesarianas só irão diminuir quando as
mulheres e os hospitais mudarem a mentalidade. "O nosso modelo de
pré-natal e parto com o mesmo médico não favorece a realização do parto normal.
Hospitais da rede pública e suplementar precisam adotar um modelo que dê
estrutura para o acompanhamento da paciente durante todo o trabalho de
parto". Segundo o especialista, se as gestantes fossem assistidas por um
grupo de médicos ao longo da gestação — como o que ocorre fora do Brasil —,
elas teriam a confiança de que seriam atendidas com o mesmo carinho e cuidado
no momento do parto, independentemente do obstetra que estivesse à disposição.
"Dar à
luz é uma experiência única e individualizada", reforça Daphne Rattner,
professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília e
presidente da organização Rede pela Humanização do Parto e Nascimento.
"Para as mães, chegar informada ao hospital é uma forma de pressionar por
mudanças", ela defende.
Momento
de decisão
Entenda como
as formas de nascimento interferem, de modo geral, na saúde e no bem-estar da
mãe e do bebê:
Normal
Duração: de seis a 12 horas. A mãe é monitorada
pela equipe regularmente.
Internação: 48 horas. A mulher fica em
observação para flagrar sangramento.
Dores
depois: no
máximo, pode haver desconforto ao se sentar.
Risco de
infecção: baixo.
Se ocorrer, será externa, relativamente fácil de contornar.
E o
bebê: expele
líquido do pulmão e não há problemas para respirar.
Cesárea
Duração: de uma a duas horas. A gestante
é sedada e vai para a sala de cirurgia.
Internação: 72 horas. O corte no abdômen requer
repouso e cuidados extras.
Dores
depois: dificuldade
ao andar. As dores na região do corte persistem por dias.
Risco de
infecção: baixo.
Mas, se ocorre, pode ser interna, com risco à vida da mãe.
E o bebê: o líquido precisa ser aspirado.
Se isso não dá certo, ele é entubado.
Momento
do parto
O corpo da mãe
e o do bebê estão em sintonia e dão início a um trabalho fisiológico expulsivo,
que pode levar 12 horas. Confira abaixo como isso acontece:
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