Fazer escolhas conscientes e assumir
responsabilidades para ser a mãe real, e não a ideal, são formas de tornar a
maternidade mais leve e feliz.
1. Como começa o
processo emocional de transformação da mulher em mãe e o que ele acarreta?
A gravidez é um processo de crise de
desenvolvimento, de rito de passagem – por isso evoca conflitos dentro de nós.
É uma fase em que transitamos de algo muito conhecido para algo muito
desconhecido. A mulher vive um momento de desorganização emocional, até mesmo
corporal, em vários níveis – inclusive do ponto de vista hormonal. É um momento
de fragilidade e, ao mesmo tempo, de encontro com forças que ela nem conhecia.
Na gravidez, a mulher vai sentindo e evocando sensações físicas diferentes ao
longo dos três trimestres. No primeiro trimestre ela ainda não sente os
movimentos do bebê – ele é imaginário –, e a visão (mesmo a de ultrassom) é
abstrata, se comparada à do último trimestre. Mas, aos poucos, ela vai entrando
em contato com o bebê e com suas expectativas em relação à vida como mãe.
Começa a construir uma teia de referências a partir da mãe que teve, das
mulheres e dos bebês da família. Hoje, é comum a mulher ter pouco ou nenhum
contato com bebês antes de se tornar mãe, pois está focada na carreira e não
conhece a rotina de crianças em casa. Isso contribui para que ela crie um
cenário fantasioso do que pode vir e que se debruce sobre expectativas.
2. As expectativas
se quebram com o nascimento da criança?
Sim, as expectativas entram em choque: a mãe ideal
conhece a mãe real. Ela enfrenta o desafio de desapegar do que conhecia, das
antigas rotinas, e estabelecer novos ritmos. A mãe real, que está ali 24 horas
por dia com o bebê, se choca com a que ela idealizou, e ambas são assombradas
por um fantasma da mãe que ela teve, pois, seja uma referência positiva ou
negativa, traz o peso de um modelo a seguir ou a evitar. É difícil seguir
modelos quando não estamos certas do que queremos.
3. Então saber ser
mãe não surge naturalmente, mas a partir de referências. Como acontece o
processo de transformação e o que ele acarreta?
A tendência é buscar as referências mais concretas,
da própria família, que se mistura às vivências do momento de vida atual da
mulher. A mulher começa a se questionar e a querer entender o que é viver com
um bebê. Tenta se lembrar de como era ser criança: Quem é a criança que fui? Do
que eu gostava? Como eu me comunicava? Como era a relação com minha mãe? Para
algumas mulheres essa lembrança vem muito forte, e para outras há ainda o surgimento
de medos, receios, experiências. É o processo natural de surgimento da figura
materna.
4. Como lidar com
essa bagagem emocional tão intensa e, ao mesmo tempo, cuidar de um
recém-nascido?
É necessário que a mulher se sinta acolhida. Assim
como a criança tem necessidades específicas e precisa de espaço para que uma
habilidade se desenvolva, a mulher também precisa de apoio e de momentos
sozinha, para perceber o que funciona ou não para sua família. A mãe recente
precisa de recolhimento, de acolhimento e de ajuda para encontrar as
ferramentas internas de reestruturação. Os recursos podem ser desde um trabalho
terapêutico individual, para entender melhor sua relação com o mundo e as
formas de se conectar com o filho, até a participação em grupos e relacionamentos
que podem vir a partir de profissionais de saúde ou de outras mães.
5. Por que ser mãe é
um grande desafio?
O lugar que a mãe ocupa é visto como prioritário
nos cuidados com o bebê – ela tem uma posição de destaque perante os outros
cuidadores, e isso a coloca sob uma responsabilidade e uma grande pressão, para
as quais ela nem sempre está preparada. Além disso, há a grande mudança na
rotina, com novas demandas a suprir e alterações sociais, familiares,
financeiras e no estilo de vida, além de privações que a maternidade traz, por
um tempo relativamente longo de dedicação aos cuidados de um filho, que implica
obviamente desafios constantes e entrega.
6. Qual a chave para
que esse processo fique mais fácil ou mais leve?
Desapegar da idealização gradualmente, olhar para a
realidade que está se transformando e procurar fazer dela algo que a mãe
reconheça como seu. É preciso lembrar que maternidade é uma construção e
desconstrução constante, é um aprendizado. A vida pode ficar mais leve se a mãe
se permitir chorar, achar espaço para sentir a dor, o medo e a tristeza e então
perguntar a si mesma: O que está pegando? É o medo de perder? É a relação com a
profissão ou com o companheiro? É a liberdade perdida? Um mergulho para dentro
e a observação, com apoio para suas necessidades, pode ajudar efetivamente a
encontrar saídas que façam sentido em sua realidade de vida.
7. A superação das
dificuldades da maternidade vem com a experiência?
Sim, pois ela começa a questionar o que está “na
cartilha”. Muitas vezes o que ouviu ou entendeu a partir das amigas ou da
própria mídia não fará nenhum sentido para ela quando o bebê chegar. O pacote
do que é ser mãe inclui uma grande oportunidade de aprendizado e crescimento.
Encontrar formas de lidar com o bebê que a agradam e que fazem sentido com o
que os dois sentem é um grande desafio que suscita os fantasmas da culpa. Há o
medo de não fazer “o certo”, de prejudicar o bebê, de ser uma mãe ruim, de
estragar o filho. Quando ela reconhece o que sabe e o que não sabe e começa a
reavaliar e investir nas descobertas, flexibilizando, observando o que é seu e
o que vem de fora, descobre o que de fato são as necessidades do seu bebê, que
é único.
8. A culpa materna
pode ficar mais leve?
A culpa inerente à maternidade pode ficar mais
leve, sim! Para algumas mulheres a culpa aparece já na gravidez, pois sempre
que surgem expectativas há chance para frustração, que é terreno fértil para a
culpa. Diminuir o nível de expectativas ou torná-las mais realistas, percebendo
limitações, julgando menos, aprendendo a aceitar mais e a se perdoar pelos
tropeços são posturas que reduzem a culpa. O caminho envolve reconhecer
responsabilidades e escolhas para mudar a realidade, em vez de resignar-se com
o peso negativo da culpa. Quando somos responsáveis podemos agir, mas a culpa
paralisa! Quando percebemos que temos saídas e aprendemos a flexibilizar, nos
perdoando por nossas frustrações e tropeços, buscando apenas reparar, a culpa
pode ser dissolvida. Ter um espaço seguro para questionamentos e acesso à
informação de qualidade contribui para criar relações mais saudáveis à dupla
mãe e bebê, respeitando a autorregulação de ambos.
Josie Zechinelli é mestranda em psicologia da
saúde, psicoterapeuta corporal reichiana e formada em Terapias Integradas de
Respiração e Renascimento. Trabalha auxiliando mulheres a reconhecerem como a
conexão com seus filhos pode ser fortalecida, desde a gestação, para uma
maternidade mais consciente.http://www.maternidadeconsciente.com.br
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